Questionando persuasões filosóficas inteiras de Descartes à sociologia moderna, passando por Émile Durkheim, Karl Marx ou a filosofia analítica, impugnando divisões artificiais que, segundo ele, levaram à separação entre a natureza e a cultura, do inato e do aprendido, além da distinção entre as coisas e os objetos, Latour estende suas análises prático-teóricas à filosofia, à economia, à ecologia, à política. Para Latour, o que é importante nas ciências sociais agora é se interessar pela questão da produção das instituições que permitem a criação das coletividades e das associações que se desenvolvem no mundo de hoje, que não mais tem relação com a que antes chamamos de natureza e sociedade.
O senhor pode nos explicar sua teoria sobre a rede de atores e como ela se diferencia da sociologia tradicional como uma nova forma de sociologia?
BL - “A rede de atores” é algo que desenvolvemos, meus colegas e eu, por razões simplesmente práticas. A explicação sociológica das atividades científicas que nos é fornecida não nos leva a lugar nenhum. Portanto, depois de muito tentarmos explicar as coisas socialmente, nos apercebemos que a falta estava na própria teoria social implícita na sociologia tradicional, de Durkheim. Se não conseguíamos jamais explicar a ciência é porque a ciência não é, ela mesma, social, no sentido de que suas coletividades estão cheias de falhas. Ao invés disso, a sociologia que utilizamos pode descrever suas associações. Nós denominamos de “rede de atores” essa sociologia alternativa à sociologia durkheimiana, e depois a colocamos sob a rubrica de Gabriel Tarde, pois muitas dessas ideias já haviam sido desenvolvidas por Tarde há mais de 100 anos, sem que antes nos apercebêssemos. Essas ideias faziam parte, portanto, já dos primórdios da sociologia. De qualquer forma, um dos pioneiros na redescoberta do trabalho de Gabriel Tarde é um brasileiro, Eduardo Vargas, que há muito tempo tem publicado sobre o assunto.
Portanto, a teoria da rede de atores consiste em fazer no lado social o que a antropologia das ciências faz do lado da natureza. A simetria que eu usava anteriormente fez com que eu me apercebesse que tanto a natureza como o social (a sociedade) são semelhantes. Essa divisão entre natureza e cultura é uma forma de se fazer política, de reunir as coisas em duas coletividades, por razões que vêm da modernidade. Tudo o que eu faço nos estudos da ciência (science studies) é mostrar que esse agrupamento de seres a que chamamos natureza, esse amálgama de seres independentes, é uma coletividade mal constituída. O conceito de “natureza” não tem sentido, pois não há de fato a natureza. Hoje, temos a prova com os trabalhos de Descola e outros. Mas o que me interessa na sociologia (o que é diferente do que faz Descola) é a outra coletividade: a sociedade. Nós podemos mostrar que a sociedade é mal constituída, desorganizada, imprópria. Como agora dissolvemos essa dicotomia entre a natureza e a sociedade, nos restam coisas interessantes a fazer, como investigar suas associações, suas conexões e suas políticas de agrupamento: isso é o que me interessa.
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