Uma dica de texto para trabalhar em sala de aula os Movimentos Sociais. O interessante é que além explicar o movimento mundial conhecido como Anonymous, o texto cita rapidamente o movimento americano Occupy Wall Street e os levantes da Primavera Árabe o que vai proporcionar uma pesquisa bem interessante para relacionar com nosso atual contexto de protestos e reivindicações.
Anonymous quem?
Por Juliana Sayuri em 25/06/2013 na edição nº 752
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 22/6/2013; intertítulo do OI
Rosto branco, fino e ovalado, bochechas rosadas, cavanhaque estilo
cafajeste e bigode debochado, olhos puxadinhos, sobrancelhas arqueadas e
um sorriso de Monalisa um tanto cruel e sarcástico. Esse personagem
poderia ser eu, poderia ser você, poderia ser a torcida do Corinthians
acampada no Zuccotti Park em euforia semelhante à primeira conquista da
Libertadores. Você já viu esse rosto. Seria um personagem esquecido,
fosse tão identificável quanto um discreto Wally perdido nas coloridas
multidões. Ao contrário, porém, tem uma face muitíssimo pop: Guy Fawkes
(1570-1606).
E Fawkes marcou presença no Brasil nesses dias, em duas vertentes. Por
um lado, a máscara do soldado inglês catapultada pelo hollywoodiano V de Vingança (2006)
estrelou um punhado de fotografias no Facebook, no Instagram e na
imprensa, durante as diversas agitações sociais efervescentes no País.
Estava diluído entre os manifestantes na rua. Na segunda-feira, uma
manifestação histórica. Na quinta, uma festa estranha com gente
esquisita. Uns com balaclavas coloridas, outros com lenços palestinos
forjados na Bolívia, muitos com o rosto à mostra (e às vezes a tapa).
Também estavam presentes uns que se querem os novos caras-pintadas, com
guache verde e amarelo feito blush nas maçãs, e outros que, fanfarrões,
brandiam cartazes com os dizeres V de Vinagre, uma referência
ao “subversivo” ácido acético proibido na manifestação paulistana do
Movimento Passe Livre na semana passada. Mas, cara-pálida, uma figurinha
realmente carimbada nas últimas manifestações foi “V”. No Rio, a
máscara de feições sinistras custava R$ 20 na semana passada – agora, o
hit tem preço promocional de R$ 10. Há até uma versão tupiniquim, com o
rosto pincelado na cor amarelo ovo. Na terça-feira, ambulantes
paulistanos venderam 500 máscaras a R$ 10, valor tabelado, dizem, em
questão de minutos. Item versátil, encaixou-se nas diversas e difusas
causas mostradas pelos cartazes de jovens e não tão jovens brasileiros
que desfilaram em várias capitais. Tão eclético o acessório que até
gente fina, elegante e sincera – alô, chics – aderiu ao disfarce fashion
feito de plástico. Fawkes é o novo Che?
Por outro lado, “V” tem outra faceta fora do “mundo real”. Vestindo o
mesmo disfarce pop, pipocou na terça-feira uma inusitada mensagem do
Anonymous Brasil. São os hackativistas – sonoro neologismo para “hacker +
ativista”, não consta no Houaiss mas pode confiar que a expressão
existe – que invadiram o Instagram da presidente e o Twitter de uma
poderosa revista dias atrás. Diz o início da mensagem de 1 minuto e 45
segundos postado no YouTube: “Seremos simples e diretos. As mídias de
rádio e TV dizem que não temos uma causa específica. Isso pode
enfraquecer o movimento. Só a diminuição do valor das passagens de
transportes públicos não nos satisfazem, mas realmente temos que saber
por onde começar um novo Brasil”, com música de suspense ao fundo, tom
azulado nas imagens trepidantes e voz grossa digitalmente alterada, tal
qual os discursos do movimento propagados em outros idiomas. Desta vez,
os mascarados brasileiros pretendem pautar cinco metas específicas para
as novas manifestações:
“1º. Não à PEC 37; 2º. Saída imediata de Renan Calheiros da presidência
do Congresso Nacional; 3º. Imediata investigação e punição de
irregularidades nas obras da Copa do Mundo, pela Polícia Federal e pelo
Ministério Público Federal; 4º. Queremos uma lei que torne corrupção no
Congresso crime hediondo; 5º. Fim do foro privilegiado, pois ele é um
ultraje ao Artigo 5º da nossa Constituição”.
“Somos todos”
Wish list política à parte, o mesmo semblante do Anonymous no
Brasil e no mundo, Guy Fawkes, já é um símbolo – para não dizer um
clichê – de diversos movimentos. Do outono americano no Occupy Wall
Street aos levantes da Primavera Árabe, o herói folk do século 17 se
tornou um ícone para esses movimentos “horizontais” e sem líderes. Em
Londres, em 2011, Julian Assange também vestiu a máscara por uns minutos
– mas a polícia mui gentilmente pediu para que o fundador do WikiLeaks a
retirasse, pois a lei britânica não permite “anonimato público”. Em
Istambul e Paris, em 2013, batata: lá estavam as benditas vendettas mais uma vez.
Muitas máscaras foram feitas desde que a HQ inglesa V for Vendetta,
assinada pelo escritor Alan Moore e pelo ilustrador David Lloyd na
década de 1980, ganhou uma versão cinematográfica em 2006 pela Warner
Brothers (aliás, The New York Times alertou aos rebeldes que, durante as
convulsões sociais nos idos de 2011, as máscaras pretensamente
anarquistas, made in China e no México, contribuíram parcialmente para o
lucro de US$ 28 bilhões da gigante americana Time Warner, que detém os
direitos da ilustração), mas foram os hackers do Anonymous que lhe deram
destaque internacional, com protestos por volta de 2008. De lá para cá,
o símbolo fez sucesso nas diversas manifestações sociais mundo afora e
também noutras arenas menos politizadas em diferentes hemisférios, como
Halloween e Rock in Rio. E, no último baile dos mascarados brasileiros,
todo mundo quis tirar sua casquinha com as manifestações.
Mas Guy Fawkes, o rosto por atrás da misteriosa máscara, você deve se
lembrar, tem uma história controversa. Foi o soldado católico que tentou
explodir o Parlamento britânico no dia 5 de novembro de 1605, na tal
Conspiração da Pólvora. A ideia era derrubar o rei protestante, os
parlamentares e a nobreza do chá das 5. Expert em explosivos, o soldado
de 35 anos era o responsável pelos 36 barris de pólvora. Mas o complô
católico vazou, o golpe fracassou e Fawkes, acusado de traição, preso e
torturado, se suicidou para escapar da “forca” – na verdade, condenados à
morte, Fawkes e os outros conspiradores seriam estripados,
esquartejados e depois decapitados, quer dizer, uma baita tranquilidade
na hora de descansar em paz.
Da pólvora ao vinagre, o símbolo de Guy Fawkes continua zanzando por
aí, na rua e na internet. Uns gostam do pop appeal. Outros preferem
mostrar a cara limpa, que máscara o quê, quem precisa se esconder, etc.
Atualmente, diferentes ideias e imagens se incorporam a essa moderna
personalidade anônima: anarquistas, anti-heróis, baderneiros,
justiceiros, rebeldes, revolucionários, terroristas, Deus e o diabo. Não
é possível definir quem são e onde estão, mas dá para dizer que andam
incomodando muito gente.
Nos próximos dias, o Anonymous Brasil pretende liderar manifestações em
prol das tais cinco causas. Na noite de quinta-feira (20/6), a página
do movimento foi derrubada no Facebook, desaparecendo sem deixar
rastros. Em resposta ao sumiço misterioso, um dos anônimos criticou a
possível censura. E esclareceu para confundir: “Não somos uma
organização. Sou você. Sou fake. Sou real. Somos todos. Não somos
ninguém. Somos uma ideia”.
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