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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Congresso Mundial de Sociologia aborda o meio ambiente


Os tempos que correm não estão para graças. O Congresso Mundial de Sociologia que decorreu este mês na Suécia deu um destaque indesmentível às questões ambientais, sobretudo às alterações climáticas, à sustentabilidade e aos processos de governança em tempos de crises uniformemente aceleradas. O mote foi logo abordado de início por Craig Calhoun, que passou o desfile das várias crises que se encavalitam e multiplicam e confluem na crise ambiental.
O pior, todavia, é a persistência cega em negá-la. Uma cegueira que, como pudemos ouvir com espanto, não hesita em chegar ao crime. O célebre 'climategate' deslindou-se e passou, mas deixou marcas. Sabemos hoje que os cientistas da Universidade de East Anglia (UEA) estavam certos. O que não sabíamos era que os interesses fundamentalistas do gate chegaram ao ponto de ameaçar individualmente os cientistas e suas famílias. Soubemo-lo por narrativas impressionantes de Tim O'Riordan, da UEA, bem como de Riley Dunlap, para outros casos nos Estados Unidos.
É assustador pensar na vulnerabilidade política do trabalho científico, mesmo nos contextos que julgaríamos mais lúcidos e mais livres. Sim, as condições sociais da produção do saber científico são-lhe decisivas a muitos títulos, como lembrou Steven Yearley, da Universidade de Edimburgo. E, acrescentaríamos, as condições éticas do trabalho jornalístico também. Por exemplo, factos enormes conseguem invisibilidades mágicas. Saskia Sassen, da Columbia University, alinhou uma coleção de factos monstruosos que têm deslizado discretamente para a realidade sem que a comunicação social tivesse dado pela sua dimensão. Lembro alguns, todos ligados à aquisição de extensões colossais de territórios por grandes interesses económicos, visando assegurar para si blocos de recursos essenciais: espaço, água e solo arável. No dia do apocalipse, salvam-se os condóminos destes resorts de sobrevivência; dos seus 'portões' para fora a humanidade sucumbe.
A Coca-Cola adquiriu na América Latina, em Chiapas, duas grandes reservas montanhosas de água potável, um recurso cada vez mais escasso. Os Emirados Árabes compraram já vastas terras aráveis ao Sudão para assegurar o cultivo de cereais. Companhias indianas fizeram-no noutros países africanos. Empresas sauditas e de outros países árabes negociaram no Paquistão centenas de milhares de hectares para a produção de alimentos e, no pacote, os serviços de 100 mil soldados do Exército local para protegerem o corredor da sua exportação. Os chineses e várias companhias europeias têm adquirido territórios nos países africanos para produção de biodiesel.
Há muitos interesses económicos a negar as alterações climáticas, mas, como vemos, há ainda mais a levá-las muito a sério e a tratar de reservar um 'salva-vidas'. Pelo sim e pelo não, e mesmo que isso signifique espoliar e deslocar as populações à força.
A ciência climática pode ter as suas heroicas incertezas, mas as dimensões sociais e humanas dos problemas ambientais, essas, rodeiam-na e atravessam-na por todos os lados de forma cada vez mais apertada: são factos sociais que estão no agravamento do atual efeito de estufa; são factos sociais as suas dramáticas consequências; são factos sociais que desencadeiam as dinâmicas de toda a crise. Em nenhuma situação se observa melhor a condição social dos problemas ambientais do que nas catástrofes. Nelas encontramos um recurso para avaliar e preparar a resposta à nossa futura e já presente, aliás, condição ambiental. Numa comunicação inspiradora, Raymond Murphy, da Universidade de Otava, lembrou o que podemos aprender sobre liderança pública em situações de catástrofe (usando casos como o do furacão 'Katrina' ou o do ainda vivo derrame da BP no Golfo do México).
E por falar em catástrofe, recordemos o sábio alerta de Tim O'Riordan para o erro sistemático na avaliação da nossa economia insustentável. É preciso começar a fazer as contas ao contrário. Fala-se sempre com dificuldade nas célebres "externalidades", mas elas ganham uma clareza adstringente quando se calcula o custo em tratamentos hospitalares e em trabalho não prestado pelas vítimas de uma afetação ambiental gerada por uma atividade que se autodispensou de avaliar as suas consequências. E não é só a saúde pública; são os próprios custos sociais. Em Inglaterra já há cálculos sobre o preço a que se eleva a produção de uma juventude rejeitada e lançada à celebração cultural das próprias abjeções onde é obrigada a viver. A sustentabilidade é isto também: não gerar custos sociais incomportáveis a pensar que, um dia mais tarde, as entidades públicas - com polícias, prisões e hospitais - virão fazer o 'trabalho sanitário social'.
Da China e da Índia as comunicações foram inúmeras: problemas sociais, ambientais e de saúde pública em crescendo. As consequências já as vivemos todos. A ocidentalização dos padrões de vida de centenas de milhões de cidadãos destes países pressiona os recursos naturais a um ponto de não retorno, como demonstrou Marina Fischer-Kowalski, da Universidade de Klagenfurt.
Ouvindo as reflexões de tantos cientistas e pensadores nestes oito dias intensivos de Congresso, é inevitável pensar no nosso país, na sua queda para a asneira e no trabalho a fazer já. Enquanto os tempos que correm ainda nos dão tempo. 

Um comentário:

  1. Great article. I will be dealing with a few of these issues as well.
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